For The Love Of Gods

Hades

  Há muito tempo atrás, quando os Deuses eram venerados, ocorreu uma história.
  Hades, Senhor do Mundo Inferior, tinha um problema em suas mãos. Os amantes não queriam se separar. Nunca. Então, ao morrer, eles não atravessavam o Estinge e aguardavam na margem pelo seu amor perdido. Caronte, o Barqueiro, foi se reportar ao Deus dos Mortos:

— Meu Senhor! Com sua licença, preciso informa-lo de algo. — disse enquanto ajoelhava-se.

— Prossiga. — disse Hades em um tom indiferente.

— Dentre os mortos, há aqueles que não aceitam fazer a travessia. E é um grupo grande que aumenta constantemente. Não sei o que fazer.

— E por que eles se recusam a atravessar?

— Por amor.

— Amor? — falou Hades com uma expressão de superioridade e desdém em relação ao sentimento.

— Eles dizem que não aceitam morrer e deixar seu grande amor para trás. Que só farão a travessia no momento em que seus amados morrerem.

  Hades calou-se e levantou de seu trono para compemplar o problema pessoalmente. Passou por Caronte como se ele não existisse. Caronte o seguiu silenciosamente e embarcaram juntos no barco resposável por transportar a alma dos mortos. Apesar de ser chamado de barco, era grande como um navio. Sua aparência era de uma madeira envelhecida e queimada, suas bordas eram altas e tinham espinhos esferrujados por toda a sua extensão. Trazia, embaixo da proa, um homem encolhido com as mãos estendidas como se pedisse esmola e com o desespero no rosto esculpido em madeira.
  Chegando na margem, Hades vislumbrou uma multidão do tamanho de um vilarejo. As pessoas ficaram assustadas com a presença do Deus, mas ele não falou um palavra sequer. Talvez achasse que não valia a pena perder tempo com eles. Os Deuses respeitavam o livre arbítrio, mas não costumavam ter paciência de dialogar soluções com os mesmos. Normalmente, faziam ultimatos que davam as disputas por fim. E foi exatamente a solução que Hades achou para resolver esse problema.
  Ele se dirigiu ao mundo humano. E como a presença divina na Terra sempre traz consequências, com Hades não foi diferente. A chegada do Deus provocou o enegrecimento do céu e um irritante odor de enxofre no planeta. De repente, parecia que um vento cheio de tristeza passou nos quatro cantos do mundo e a imagem do Deus mais assustador se fez presente diante dos homens. Sua pele era branca como a de um defunto e vestia uma túnica negra que brilhava como se nela houvesse o brilho da alma dos mortos. Seu cabelo era negro como a noite e sua aparência provocava um angústia semelhante a estar próximo de um buraco negro. Sem dúvida ele era uno com a morte.
  Olhou para os humanos como se olha para um objeto qualquer, sem nenhum reconhecimento de existência, individualidade ou inteligência. Então disse de forma bem tranquila:

— Eu, Senhor do Tártaro, permitirei que os amantes morram pares, para que não mais sofram com a partida do seu amor.
  
  Nesse momento, toda a Terra se alegrou com a notícia e fizeram barulho com seus gritos eufóricos. Mas Hades continuou:

SILÊNCIO! — gritou irritado por ser interrompido pela já conhecida falta de educação da raça humana.
— Mas é preciso que vocês sejam fiéis ao amor. Por isso, ensinem aos seus filhos para que ensinem aos seus netos e assim por diante. Pois no dia em que isso for esquecido, vocês sentirão a dor da perda de seu bem mais precioso novamente.

  As pessoas compreenderam o preço da graça que receberam e ficaram gratas, apesar da bondade incompreendida do Deus. E, durante séculos, tudo correu bem. Mas com o passar do tempo, as pessoas iam se tornando mais arrogantes, alguns até esqueceram dos Deuses. E tudo começou com o nascimento de Ébono. Um garoto que achava que as lendas eram besteira. Sua mãe respeitava dos Deuses e a tradição, mas seu filho fazia questão de ignorar os ensinamentos de seus ancestrais. Isso não era um grande problema, até ele se apaixonar. Sua mãe ficou preocupada com a sua conduta desrespeitosa e egoísta e tentou alertá-lo:

— Não machuque o coração dessa moça, meu filho.

— Não vou fazer nada, mãe. Pra que toda essa palhaçada? — falou ele em completo tom de desprezo para com sua mãe.

— Porque, há séculos atrás, Hades nos concedeu o dom de morrer com nosso amor, contanto que fôssemos fiéis.

  O garoto gargalhou profundamente durante longos instantes e continuou:

— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Eu não acredito nos Deuses. Em nossa família, apenas nossa bisavó viu alguns deles em raras ocasiões. Pelo menos é o que ela contava antes de morrer. Provavelmente estava senil. A senhora sabe que não acredito nisso. E, de qualquer forma, eu já disse que não vou fazer nada.

  E saiu porta afora com pressa. Sua mãe ficou em casa, aflita, mergulhada em pensamentos angustiantes sobre seu filho. Conforme o tempo foi passando, as preocupações foram diminuindo. Tudo corria bem. Até que sua mãe começou a ver Ébono com outras garotas. De fato, Ébono havia enjoado de seu suposto amor e cortejava várias garotas na cidade. Sua mãe tentou avisá-lo, mas ele sempre se esquivava e nada mudava seu comportamento desagradável. Então, chegou o dia em que ele se deitou com outra.
 Após o ato ser consumado, o quarto se encheu com o odor de enxofre e uma fumaça negra em forma humana. Um voz que vinha de dentro da fumaça disse:

— Ignorou minha palavra e duvidou do meu poder. Prepare-se para conhecer a verdadeira dor.

  O Deus partiu sem dar oportunidade para Ébono falar ou reagir à situação. Estupefato, seu corpo não se mexia, assim como o da garota ao seu lado na cama. E mesmo meses após o ocorrido o fato dominava sua mente, pensando como se cumpriria a ameaça.
  Os anos passaram e Ébono viveu, cresceu e apaixonou-se por uma moça chamada Rúbia. Súbita e completamente. Decidiu pedi-la em casamento. Levou-a ao jardim que ela mais gostava e pediu que fechasse os olhos. Então disse:

— Eu nunca esperei encontrar alguém como você. Que me fizesse pensar que a minha existência só tem sentido com você. Eu tenho consciência que preciso de você. Rúbia, quer casar comigo?

  Ela abriu os olhos e vislumbrou um anel de ouro no qual Ébono cravejou uma safira. Seus olhos se encheram de lágrimas. Seu coração acelerou em um ritmo que ecoava pelo seu corpo como seu todo o universo ressoasse com seu ser. Como se ela estivesse completa. Ébono se encontrava aflito pelos instantes de silêncio de Rúbia. Enquanto ela processava toda a situação em sua mente, Ébono temia pela rejeição. Então ela disse de forma suave:

— É claro que eu aceito. Eu te amo!

  Nesse instante, Rúbia foi consumida quase que instantaneamente por chamas negras. Provavelmente não houve tempo para sentir dor, pelo menos não dor física. A morte de Rúbia foi seguida por uma gargalhada infernal. Ébono caiu de joelhos e seus olhos parecia chorar sangue. Gritou com todo o fôlego que tinha enquanto se amaldiçoava mentalmente por sua arrogância. Pensou em suicidar-se, mas entendeu seu castigo e a lição que lhe foi ensinada. Ensinou aos mais jovens sobre respeito, mas sua culpa e depressão não lhe permitiram se apaixonar novamente.

  E desse dia em diante, somos obrigados a ver a morte separar os amores e derramar lágrimas de solidão.

Ramon Arcanjo




Deuses da Guerra

  Há muito tempo atrás, quando os Deuses eram venerados, ocorreu uma história.
  Todos os Deuses da Guerra organizaram uma competição para saber quem era o maior guerreiro da Terra. Thor, Hórus, Ares, Ogum, e todos bradaram a notícia aos quatro canto do planeta sobre a disputa que seria sediada pelos Deuses.  Chegado o grande dia, os mais aclamados guerreiro de todo o mundo se reuniram no Stonehenge. Thor invocou um trovão, anunciando ordem e atenção. Hórus tomou a palavra a palavra, dizendo:

— Hoje, vocês provarão seu valor e batalharão pelo título de maior guerreiro do seu mundo.

Ares tomou a palavra e disse-lhes:

— Tenham em mente que o vencedor poderá exigir o que quiser como recompensa.

  O local fervilhou com os ânimos exaltados dos guerreiros que gritavam para o alto seus gritos de guerra e balançavam suas armas acima da cabeça. A possibilidade de ser exaltado por todos os cantos do mundo era uma oportunidade inimaginável e que valeria a maior honra àqueles que dedicaram suas vidas à se tornarem guardiões de seu povo.

— Então que comece o torneio. — bradaram os Deuses.

  Durante dias e noites houve batalhas sangrentas, honrosas, belas e mortais. Os Deuses se encantavam com tamanha perícia. Nunca pensaram haver tanta determinação no ser humano. Alguns mais técnicos, outro mais selvagens. Toda sorte de estilos estavam reunidos e determinados a fazer de tudo pelo presente dos Deuses. Via-se martelos gigantes esmagando os membros de seus oponentes, lanças perfurando órgãos com a destreza de um mestre de kung fu, espadas abrindo corte profundos na pele alheia. Tudo sendo observado com a tranquilidade de um monge. Para eles, aquilo era algo costumeiro e nenhum pouco impressionante. Após exaustivos sete dias e sete noite, havia um vencedor. Um jovem maia se tornava, naquele momento, o maior guerreiro do mundo. Ogum perguntou:

— Tens habilidades únicas na Terra, meu jovem. O que desejas como prêmio de tua conquista?

  O rapaz lembrou-se do fatídico dia em que saíra para defender seu povo. Passou semanas em guerra contra uma tribo vizinha. Retornou para casa com as mais diversas feridas, seu corpo encharcado de sangue, mas em momento algum pôs-se a chorar. Sua motivação em retornar era o amor de sua vida que havia ficado com o resto do povo. Voltar era seu maior sonho. Quando a guerra acabou e ele retornou, pela primeira vez, derramou-se em prantos por dias inteiros.

— Morrer, Meu Senhor!

  O silêncio ecoou no local. Os Deuses ficaram atônitos com a resposta do rapaz.

— Você viajou incontáveis distâncias, batalhou dias e noites inteiras e, agora que venceu, diz querer morrer? Não lhe entendo. Se fosse teu real propósito, terias morrido no meio da batalha.— disse Ares.


— Meu orgulho como guerreiro não permitiria. Alguns anos atrás, saí de minha tribo por causa da guerra e ao retornar, minha amada foi sacrificada aos Deuses. Minha determinação e força provém somente dela e da minha vontade de revê-la.


  Os Deuses observaram a humanidade desde o início. Eles os viram levantar suas espadas por ganância, ódio, inveja, mas nunca por sacrifício, pensando no próximo. Eles se curvaram à dignidade e princípio daquele homem.


— De acordo, rapaz. Peça! — ordenou Hórus.


— Como Maior Guerreiro da Terra, eu peço o direito de reencontrar minha amada.


— Que assim seja. — disseram os Deuses.


  E o rapaz desapareceu. E os Deuses presenciaram a força que um amor tem.

Ramon Arcanjo








Há muito tempo atrás, quando os Deuses eram venerados, ocorreu uma história.
Chronos era filho de Gaia e Urano e reinava sobre o tempo dos mortais e imortais. Durante eras, ele viu humanos trocando juras de amor, beijos, carícias, mas também mentindo, traindo uns aos outros, se abandonando. Chronos decidiu testar os humanos para achar o amor verdadeiro, e para isso saiu a vagar pela Terra.
Por muito tempo sua busca foi em vão, até que encontrou um casal que permaneceu unido até a velhice. Foi quando o Deus do Tempo perguntou-lhes:

— Vocês se amaram durante todos esses anos. O que você fariam para ficarem juntos novamente?

O homem respondeu-lhe:

— Passaria todo esse tempo longe dela. Eu só precisaria saber que ela me espera.

Os dois se olharam e deram as mãos com lágrimas nos olhos. E Chronos, comovido, voltou aos céus com a resposta que encontrara.
Então, o Ceifador do Tempo disse:

— De hoje em diante, farei com que cada separação entre os casais contenha uma fagulha da Eternidade. Assim, eu saberei que todo amor que não morra pela distância é verdadeiro.


E é por isso que cada instante longe de quem amamos parece durar para sempre.





Ramon Arcanjo


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